CADA
LINGUAGEM FALA POR SI
O
livro virtual, ou e-book, como chamam, vai substituir o livro em
papel? A pergunta esteve em debate nas duas mesas redondas ocorridas
ontem (30/1) na 9ª Jornada de Literatura. Na sua costumeira
irreverência, o escritor Ziraldo Alves Pinto comparou o e-book
a um ectoplasma. Entre o ser vivo, que é o livro, e
o ectoplasma, que é o e-book, eu fico com o ser vivo.
O dramaturgo e roteirista Alcione Araújo, disse não
estar preocupado com o fato de que um novo processo tecnológico
sepulte o anterior, porque isso, historicamente, nunca aconteceu.
Os
escritores Ziraldo e Araújo participaram, à noite,
do debate Cinema e Televisão: elo na evolução
do livro ao e-book, junto com o escritor Fernando Morais, a autora
de televisão Maria Adelaide Amaral e o cineasta gaúcho
Jaime Lerner. O grupo também polemizou em outra questão:
as adaptações para as telas matam a obra literária?
Maria Adelaide, que adaptou para a TV A Muralha, de Dinah Silveira
de Queiroz, e Os Maias, de Eça de Queiroz, defendeu que não,
informando que nos quatro meses em que esteve na TV, o livro homônimo
do escritor português esteve entre os mais vendidos no Brasil.
A posição foi contestada por Ziraldo, observando que
se a TV quisesse transformar o Brasil num país de leitores,
faria, mas ela não tem interesse. E acrescentou
que o elo da TV com o livro é o elo da morte, porque
a TV está fazendo de tudo para destruir o livro.
Para Fernando Morais, não há deformação
nos casos de livros adaptados por serem produtos diferentes e citou
Jorge Amado, que recomendava aos colegas que estivessem nessa situação
que o melhor a fazer era não assistir à adaptação.
Já Alcione Araújo foi mais contundente. Do meu
ponto de vista não existe adaptação, porque
cada linguagem fala por si.
POLÊMICA - Antes desse encontro, à tarde, a polêmica
do e-book já era discutida, com a diferença de que
havia dois assuntos distintos para serem abordados: A formação
do leitor do futuro, para o livro ou para e-book e Intercâmbio
de registros entre literatura, cinema e teatro, com a participação
de Edgard Telles Ribeiro, Lucas Figueiredo, Mário Pontes
e Walter Galvani.
O jeito foi escolher um deles, como aconteceu com o escritor Mário
Pontes (prêmio Jabuti 2001 na categoria contos e crônicos)
ou explorar o que lhe é mais próximo, como fez Edgard
Telles Ribeiro, jornalista e cineasta. Chamou a atenção
o fato de os quatro reconhecerem não ter nenhuma familiaridade
com o tema e-book.
O jornalista Lucas Figueiredo confessou ter recorrido ao colega
de profissão Haroldo Ceravolo Sereza, que lhe deu uma aula
básica sobre o assunto. O próprio Mário Pontes
procurou publicações sobre o tema, mas nunca
achei nada substancial. Para o gaúcho Walter Galvani,
o e-book é apenas um novo meio de comunicar, um suporte que
não vai eliminar o livro.
Tecnologia
depois do almoço
Mesmo
sem dominar o assunto, os autores seguiram a linha de que a tecnologia
não veio para acabar com os impressos em papel. Telles Ribeiro,
que hoje é embaixador na Nova Zelândia, lembrou que,
antes do novo invento realmente se materializar, é preciso
resolver problemas conhecidos da sociedade brasileira. O leitor
precisa ser alfabetizado, alimentado, ter um teto sobre a cabeça.
Só aí ele poderá ter acesso a novos mundos.
Acrescentou preferir a relação pessoal com o
livro a me distrair com o universo paralelo.
Lucas Figueiredo disse ser complicado falar de algo que ainda não
conquistou o mercado. O importante é discutirmos qual
mercado de livros temos à disposição e o que
vamos ler; o como não importa. Para ele, relevante
é o fato de o livro no Brasil ser muito caro, as editoras
ganharem muito bem e os autores muito mal.
Mário Pontes também foi ácido na crítica,
ao afirmar que a tecnologia é veloz, mas não
anda com os próprios pés e sim com os pés do
interesse. Jornalista veterano, recordou que, na década
de 50, publicou uma notícia de que pesquisas feitas nos Estados
Unidos resultariam em, no máximo três anos, fazer os
automóveis funcionar a bateria e não mais a gasolina,
o que resolveria o problema de poluição, entre outros
benefícios. Mas os interesses dos grandes grupos petrolíferos
falaram mais alto e até hoje rodamos como naquela época.
E sentencia: tudo não passa de interesse mercadológico.
O único a abordar literatura, cinema e teatro foi Telles
Ribeiro, justamente por ser o seu meio. Cheguei à literatura
pelas mãos do cinema, explicou. A pouca exploração
do assunto foi cobrada pela platéia, que aproveitou o momento
das perguntas para fazer questionamentos.
FRASES
Nenhum
livro é lido da mesma maneira por uma ou mais pessoas. Trata-se
de um hábito absolutamente individual, não existe
uma leitura igual a outra. Edgard Telles de Figueiredo
Não sou escritor, sou um repórter.
Lucas Figueiredo
No Brasil, pouquíssimas pessoas têm acesso
à Internet e também é mínimo o percentual
de quem tem acesso ao livro. Walter Galvani
Essas jornadas revelam muitas faces do escritor, mas nunca
revelam todas. Mário Pontes
A profissão de roteirista é a profissão
de provocar a decepção de quem já leu.
Alcione Araújo, sobre a adaptação de obras
literárias para as telas.
Uma bofetada na população
A crítica foi inevitável. Quando o assunto é
novas tecnologias e a democratização do acesso, é
difícil deixar passar em branco os projetos do governo federal
na área da educação, especialmente Amigos da
Escola e Bolsa Escola. Foi o que aconteceu ontem. Lucas Figueiredo
disse que o projeto Amigos na Escola é de um cinismo
tão grande, que chega a ser uma bofetada na população.
Para ele, o projeto mostra a concepção elitizante
do governo, que coloca computadores nos sertões mais longínquos
e que, uma semana depois, como se viu, viram móveis para
o sertanejo colocar jarra de água em cima, porque lá
o que falta é água. Ele ainda considerou o programa
Bolsa Escola, que destina R$ 15,00 por mês a famílias
que tenham filhos na escola, de esmola mensal. Júlio
Diniz concordou e acrescentou ser difícil pensar em computadores
em escolas sem portas, sem paredes, sem livros e sem professores
valorizados, o que revela que isso não passa de campanha
publicitária.
PARALELAS
Ilustres
ausentes
Foi sentida a ausência dos escritores Patrícia Melo
e Mário Prata, que participariam da primeira mesa redonda
de ontem (30/8). Os coordenadores Júlio Diniz, Ignácio
de Loyola Brandão e Deonísio da Silva explicaram que
Prata não conseguiu chegar a tempo, devido a outros compromissos.
Há noite, porém, Fernando Morais confirmou que Mário
realmente não viria pois estava com suspeita de pneumonia
e voltava de Florianópolis para São Paulo. Mas não
falaram nada em relação a Patrícia, que inclusive
esteve na jornada e foi embora antes de cumprir sua agenda. Nos
bastidores, vários escritores manifestaram certa indignação
com o episódio e sugeriram que o fato tivesse esclarecimento
público, ou por parte da própria Patrícia ou
pelos organizadores da Jornada. Acho que todos merecem uma
satisfação, escritores e público, disse
Luis Antonio de Assis Brasil.
Presidente
nenhum
O
escritor Fernando Morais cobrou a ausência do presidente da
República e dos ministros da Educação e da
Cultura na 9ª Jornada. Em vez de vídeo, eles deveriam
ver com os próprios olhos o que vocês estão
fazendo aqui. Mas, em todo caso, parabéns por realizarem
este evento sem presidente nenhum.
Identidade
gaúcha
Depois da exibição do curta Duelo, no último
dia 29, no Circo Girassol, pelo projeto Roda Cine, houve uma bem-vinda
discussão sobre a identidade do gaúcho. O filme, de
1998, dirigido por Jaime Lerner, baseado em um dos capítulos
do livro de Tabajara Ruas, Netto perde sua alma, porém com
um enfoque bastante distinto do longa de Ruas.
Proposta
atrapalhada
Nos corredores, entre os estandes, questionado pelo EC sobre as
manifestações de Ottaviano De Fiore, do MiNC, Alcione
Araújo torpedeou dizendo: O comentário dele
sobre como letrar o Brasil reflete exatamente a maneira atrapalhada
e superficial com que o governo de Fernando Henrique Cardoso conduz
os seus projetos.
|