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ENTREVISTA

Skármeta, Sant'Anna e Collassanti

Cafés, aeroportos e poesia

Marcia Camarano e César Fraga

Imagine Antonio Skármeta, Marina Colassanti e Affonso Romano de Sant'Anna. Os três sentados à mesma mesa. O assunto não poderia ser outro: poesia. Entre um gole e outro de café, a equipe do Extra Classe teve o prazer de flagrar esta conversa e realizar mais que uma entrevista, um pequeno debate sobre aculturamento, tecnologia, globalização e literatura. Skármeta, autor da novela "O Carteiro e o Poeta", publicado em 15 idiomas, que acabou indo para as telas de cinema) mais o casal de poetas e jornalistas brasileiros Sant'Anna e Colasanti dividem anseios e posições semelhantes, inclusive, a necessidade de um aeroporto em Passo Fundo. Mais que uma entrevista, foi uma conversa e, se não fosse a falta de tempo, poderia durar a tarde inteira. O Extra Classe Especial para a 9ª Jornada publica aqui alguns fragmentos desse encontro. Mas é só um aperitivo, porque a íntegra sairá no próximo Extra Classe na edição de outubro/2001 (www.sinpro-rs.org.br)

Extra Classe- Skármeta, é muita responsabilidade ser poeta e escritor no Chile, um país que deu ao mundo Pablo Neruda e Gabriela Mistral?

Skármeta- No Chile há uma epidemia grafomaníaca. Todos são poetas. Um editor confessou, há um ano, que se todos que escrevem poesia no Chile lançassem um livro, o mercado editorial estaria milionário. Desde que Pablo Neruda ganhou o Prêmio Nobel, não há ninguém que não tente alguns versos.


EC- A globalização favorece ou empobrece os países e povos que já têm uma certa tradição em literatura?


Skármeta- No Chile, se vem alguma informação, alguma arte ou algum produto de fora, há a capacidade de "chilenalização" muito rápida; se vulgariza e se ironiza isso, se amestiça muito rápido e se transforma numa espécie de paródia. Acho que o talento da América Latina é a paródia frente à globalização.

Affonso- No Brasil, o processo é muito parecido, existe essa vocação para a paródia na cultura brasileira. Nos anos 50, por exemplo, Hollywood produzia um determinado filme e imediatamente o cinema brasileiro fazia algo em cima. Agora, acho que a poesia escapa à globalização por uma razão muito simples: ela é contrabando. Apesar de todo mundo se considerar poeta, ela é underground. Só uma minoria faz boa poesia. E ela praticamente não tem tradução nenhuma. Não é como uma novela, como a do Skármeta, por exemplo ("O Carteiro e o Poeta"), que foi traduzida quase que simultaneamente no mundo inteiro. A poesia é um código secreto, por isso não entra na questão da globalização.

Marina- A exportação de cultura, junto com a economia, existe desde antes do Império Romano. Sempre o povo ou o país mais rico tentou impor a sua cultura. E isso, embora tenha arrasado com algumas, fertilizou outras. Os países ricos também se apropriam da cultura alheia. Mas existem mecanismos de defesa contra a invasão. É claro que a força dos veículos de massa hoje são muito ameaçadores. A reação a isso está na força cultural de cada país receptor.

EC- Como está a poesia hoje? As pessoas estão lendo e fazendo poesia? Quais as dificuldades?

Affonso - Se a gente pedir a um jovem poeta brasileiro que cite algum dos novos nomes da Alemanha ou da Espanha, ele não sabe. A poesia hoje funciona em guetos. Tem dificuldades lingüísticas, de tradução. Isso é bom e é ruim. A poesia brasileira tem uma identidade muito forte, talvez graças a não circulação. A poesia portuguesa é muito diferente da brasileira. Ao passo que na ficção há uma técnica de tratamento muito semelhante na França, nos Estados Unidos, no Brasil. Agora, eu quero falar da importância da Internet para o resgate dos poetas. Como as editoras não se interessam comercialmente pela poesia, a Internet se transformou numa autêntica porta de livraria, virou uma espécie de revista literária eletrônica.

Skármeta - Entre os escritores, são os poetas os que têm menos visibilidade, mas são também os que têm mais prestígio no mundo da cultura. A poesia pode estar mais escondida, mas no mundo da cultura é a que gera mais inteligência criativa. Porque as imagens são mais determinantes, mais puras.