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Poesia para o povo

De repente a poesia ficou pop, pelo menos sob a lona do Circo da Cultura, onde os escritores foram tratados como verdadeiros astros. Se normalmente a poesia é tida como um gueto dentro da literatura e os poetas praticamente passam despercebidos, ontem não foi o que ocorreu. Eram seis poetas a procura de um leitor. Pelo visto, encontraram não um, mas muitos. Mas nem tudo foi motivo para festa e glamour. Se de um lado tínhamos a badalada Martha Medeiros, incensada pelo público com dezenas de bilhetinhos com perguntas e declarações de amor, de outro éramos dilacerados pela contundência da angolana Ana Maria Tavares, que devolveu ao público os pés no chão.

Ana Paula Tavares foi aplaudida de pé, já no final da palestra Seis poetas em busca de um leitor, ocorrida ontem (29/8) à tarde durante a 9ª Jornada de Literatura. Tudo porque ela destoou de seus colegas de mesa, bem-humorados e descontraídos. Enquanto Affonso Romano de Sant’Anna, em pé, abria sua palestra dizendo se sentir um astro pop, como Frank Sinatra, por causa da acolhida da platéia, e o gaúcho Ricardo Silvestrin lia com entonação e desenvoltura alguns de seus poemas, andando de um lado a outro, Ana Paula fez sua participação sentada, lendo tristes poesias de seu último livro “Dize-me coisas amargas, como teus frutos”.

Alguém da platéia lhe perguntou por que seus poemas eram tão tristes. Ela respondeu que não poderia ser mais alegre por vir de um país que há muitos anos convive com guerras, tráfico, miséria e escravidão. E arrancou os aplausos efusivos quando disse “desculpem se eu perturbei essa festa”.

A mesa foi composta, além de Sant’Anna, Silvestrin e Ana Paula, pelos poetas Martha Medeiros, Rui Duarte de Carvalho (também de Angola) e o argentino Rodolfo Alonso. Foram mediadores Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e Júlio Diniz.

Affonso Romano de Sant’Anna foi um dos mais aclamados. Segundo ele, “ao invés de perguntarmos onde está o leitor, que se comece a procurar o poeta dentro de si; o leitor não pode ser passivo. Os poetas dentro das pessoas podem ser ativos e aí a poesia será uma coisa necessária e cotidiana”.

Enquanto Martha Medeiros informava que nunca buscou o leitor e, sim, a si mesma, Rui Duarte manifestava que “implícito ao ato de escrever está a compulsão pelo ato de comunicar”. Ele reforçou a posição de sua compatriota ao lembrar que “venho de um país onde a maioria da população é analfabeta, em guerra há 40 anos. Nessas condições, quem sabe ler, não lê, porque não há livros e os que têm são caros”.

Rodolfo Alonso, autor de vários livros, entre eles Os demônios do amor, fez uma espécie de mea culpa, quando disse ter passado boa parte de sua vida traduzindo poetas, “até concluir que a verdadeira poesia não é traduzível”. Ricardo Silvestrin anunciou sua nova obra, “A palavra mágica”. Vencedor de dois Prêmios Açorianos, ele já escreveu seis livros de poesia e dois para crianças.

PARALELAS

O mistério de Patrícia

Alguém viu Patrícia Melo na Jornada de Literatura? A autora de Inferno, vencedora do Prêmio Jabuti de melhor romance de 2001, não comparecerá aos painéis da tarde de hoje: A formação do leitor do futuro: para o livro ou para o e-book e Intercâmbio de registros: literatura cinema e teatro, assim como não compareceu a Conversa Paralela que havia sido programada para a tarde de ontem no Auditório da Faculdade de Direito da UPF. A última vez que a escritora foi vista na Jornada, saía do Circo da Cultura, durante a entrega do cheque de 100 mil reais referentes ao prêmio Passo Fundo, Zaffari e Bourbon de Literatura, ao qual também concorria. Encerrou sua conta no Hotel San Silvestre e embarcou para o Rio de Janeiro ontem pela manhã sem maiores explicações.

Fora da pauta

A noite de ontem foi reservada para a discussão “A formação da opinião: jornalismo tradicional versus jornalismo eletrônico”, com a participação dos jornalistas Claudia Barcelos, Augusto Nunes, Haroldo Ceravolo Sereza, José Gaston Ilguer e Ignácio Loyola Brandão. O debate ultrapassou o tema proposto, abrangendo outros tópicos do jornalismo atual, como a ética e a qualidade do trabalho. Fugindo completamente do tema, Nunes acabou usando boa parte de seu tempo para explicar sua recente demissão da revista Época.

Só as grandonas

Ignácio de Loyola Brandão fez a platéia rir quando comentou que muitas pessoas o confundem com Ziraldo e lhe pedem autógrafos. O autor de O Menino Maluquinho perguntou o que ele faz quando isso acontece. E Loyola respondeu: “Eu assino, mas você continua com a criançada que eu fico com as grandonas”.

FRASES

“Vou começar cantando Strangers in the night. Me sinto como um artista pop”. Afonso Romano de Sant’Anna

“A linguagem é a carne e o sangue do poema. A verdadeira poesia é intraduzível”. Rodolfo Alonso

“Desculpem se eu perturbei essa festa”. Ana Paula Tavares

“Estou me sentindo como se fosse a Madonna”. Martha Medeiros

“O leitor que procuro não é o que me entende imediatamente, mas é, sobretudo, aquele com quem eu possa me entender”. Rui Duarte de Carvalho

“Palavra não é coisa que se diga. Quem toma a palavra pela coisa, diz palavra com palavra, mas não diz coisa com coisa”. Ricardo Silvestrin

 


Estilhaços de um passado presente

Em 1980, estourou, literalmente, como uma bomba a morte de um militar e o grave ferimento de outro quando conduziam, em um carro, um artefato explosivo que seria detonado em um show musical. O episódio ficou conhecido como o Caso Rio Centro. A princípio, integrantes do regime militar, que comandava o Brasil na época, tentou culpar militantes de esquerda pelo atentado. Mas a história tratou de desvendar que os próprios militares eram os responsáveis.
A farsa não passou desapercebida pelo poeta Affonso Romano de Sant’Anna. Na época, escreveu um poema que, como ele mesmo diz, permanece atual até hoje. Eis alguns trechos de A implosão da Mentira: “Mentiram-me ontem e hoje mentiram novamente. Mentem de corpo e alma, completamente... Mentem de maneira tão pungente que, acho, mentem sinceramente. Mentem, mentem e calam. Mas suas frases falam...De tanto mentir tão bravamente, constróem um país de mentira diariamente”.