|
ENTREVISTA
Entrevista
cedida pelo Jornal
Extra Classe (n 53, Julho de 2001)
Ela
não quer fazer a cabeça de ninguém
Martha
Medeiros nasceu em Porto Alegre em 20 de agosto de 1961.
É formada em Publicidade e Propaganda pela PUC
e trabalhou como redatora e diretora de criação
em diversas agências da capital gaúcha.
Como poeta, publicou os livros Strip Tease (Editora
Brasiliense, 1985), Meia-Noite e Um Quarto (Editora
L&PM, 1987) Persona Non Grata (L&PM, 1991) e
De Cara Lavada (L&PM, 1995). Tem poemas adaptados
para peças teatrais encenadas em Porto Alegre,
São Paulo e Rio de Janeiro. Em maio de 1995,
lançou seu primeiro livro de crônicas,
Geração Bivolt (Artes & Ofícios),
onde reuniu artigos publicados em Zero Hora e textos
inéditos. Em 1996 lançou o livro Santiago
do Chile, Crônicas e Dicas de Viagem, fruto dos
oito meses em que viveu na capital chilena. Topless
(L&PM, 1997) recebeu o Prêmio Açorianos
de Literatura. Em 1999, seu livro Trem Bala, uma coletânea
de crônicas, foi o mais vendido na Feira do Livro
e acabou virando peça teatral dirigida por Irene
Brietzke. Cronista do jornal Zero Hora, às quartas
e domigos, Martha também escreve uma coluna semanal
sobre relacionamentos no site Almas Gêmeas do
Terra (Internet).
Extra
Classe Tu fizeste uma travessia da publicidade
e da poesia para a crônica do jornal diário.
Até que ponto teu trabalho anterior influenciou
a crônica atual? Como é o teu processo
de elaboração da crônica? Há
uma preocupação com o produto
ou com que tipo de público vai consumir esse
trabalho?
Martha
Acho que a publicidade influenciou, sim, o texto
da crônica. Com a propaganda aprendi a ser objetiva
e a usar o humor, e o que é mais importante,
a seduzir o leitor, só que antes eu estava vendendo
produtos, e agora estou vendendo idéias.
Escrevo as crônicas de um fôlego só,
geralmente à tarde ou à noite, mas nunca
em cima do prazo de entrega. Gosto de revisá-las
no dia seguinte, com a cabeça fresca. Faço
uma faxina no texto, tiro as impurezas e,
aí sim, mando para o jornal.
EC
Um dos teus primeiros trabalhos, Strip Tease,
lançado nos anos 80, trazia poesia com uma certa
ousadia quanto à forma, um jogo de imagens e
palavras bastante sedutor. As pessoas que lêem
teus textos no jornal, parecem fazê-lo mais pelo
conteúdo do que pela forma. Até que ponto
tu te preocupas com a forma, com uma estética
formal em teu trabalho?
Martha
Na verdade não me preocupo muito com a
forma, nem mesmo quando escrevo poesia. O conteúdo,
para mim, assim como para meu leitor, é o que
mais me interessa. Claro que às vezes a forma
ajuda na compreensão do texto ou do poema, aí
uso um recurso ou outro, mas nunca o faço pelo
prazer estético ou pelo compromisso de ser inventiva,
prefiro focar na comunicação.
EC
Trem Bala, a peça baseada em textos teus,
tem sido sucesso de público em Porto Alegre,
um tipo de sucesso raramente conseguido por montagens
locais e, geralmente, reservado a produções
com astros de TV vindas do Rio e São Paulo. O
que representa essa incursão pelo teatro na tua
obra?
Martha
Foi idéia da Irene Brietzke encenar as
crônicas e eu confesso que tive dúvida,
pois não há ficção no meu
trabalho, não há diálogo, não
imaginava como ficaria no palco. Mas deu certo, a peça
é ágil, às vezes engraçada,
às vezes reflexiva. Considero isso mais uma porta
que se abre, mais um veículo para divulgar meu
trabalho.
EC
Tua crônica, como toda a crônica,
mexe com assuntos do dia-a-dia inerentes ao cidadão
comum. Vivemos tempos de uma interatividade cada vez
mais abençoada pela mídia. Como é
tua relação com esse público que
te lê? Há interação
no teu trabalho, existe um diálogo?
Martha
A interação se dá basicamente
pela internet. Recebo muitos e-mails e respondo quase
todos. Através destes e-mails dá para
eu ter uma idéia dos assuntos que agradam mais,
dos assuntos que são mais polêmicos, etc.
Não que isso influencie muito a minha escolha
do tema na hora de escrever, mas é bom saber
que há gente do outro lado da tela e que tenho
uma certa responsabilidade em relação
a elas, pois muitos levam a sério o que escrevo.
Bem mais do que eu, aliás (risos).
EC
Preocupa a questão da perenidade do teu
trabalho como escritora? As crônicas de Nelson
Rodrigues ou Rubem Braga são consideradas hoje
como exemplares de um gênero literário
que retrata épocas e costumes. Como tu imaginas
teu trabalho em termos de repercussão no futuro?
Martha
Nunca parei para pensar nisso, é um exercício
inútil, não tenho bola de cristal. As
crônicas do Luis Fernando Verissimo certamente
sobreviverão a ele por muito tempo, é
trabalho de gênio. Mas a minha crônica parece
mais datada, não sei se permanecerá. Acho
que a poesia, sim, é um trabalho de vida útil
bem mais longa, trata de temas seculares e ao mesmo
tempo de vanguarda, como o amor, a saudade, o ciúme.
Relações afetivas e angústias existenciais
sempre estarão na ordem do dia.
EC
Assim como sempre tem alguém para dizer
que Deus está morto, não falta quem diga
o mesmo da literatura de tempos em tempos. Já
se disse que o cinema iria acabar com a literatura,
depois a TV. No entanto, esses veículos, muitas
vezes, parecem ter servido de amparo à literatura
ao buscar nela temas de inspiração. Contemporaneamente,
a fugacidade da fama parece ser mais potente do que
a durabilidade da obra. Qual seria o papel da literatura
atualmente?
Martha
A literatura não vai acabar. A cada dia
as pessoas estão mais sozinhas, cada vez sentem
mais necessidade de manifestar suas idéias, suas
emoções, então escrevem (e também
pintam, filmam, cantam, atuam... a arte serve pra isso,
para nos unir, para a gente se certificar de que não
é um ET e que habitamos todos o mesmo planeta).
E do outro lado do ringue estão as pessoas que
querem ler (e ir ao cinema, ouvir música...)
para entenderem a si mesmos. Todos se auto-ajudam na
literatura, tanto quem escreve como quem lê. É
a terapia mais barata que existe. Só é
cara para quem não tem o que comer, e é
aí que o Brasil empaca.
EC
O Brasil contemporâneo não seria
o cenário ideal para a elaboração
de um grande romance de costumes na melhor tradição
machadiana?
Martha
Talvez. Mas é preciso localizar os Machados
entre nós.
EC
Há um ambiente cultural propício
para um grande romance contemporâneo? Nota-se,
pela internetização do mundo
todo, a construção de um discurso reduzido
e resumido ao mínimo de elementos. Até
que ponto isso poderia influenciar na criação
literária? O que se poderia esperar deste novo
século em termos de literatura?
Martha
O que é um grande romance contemporâneo?
Não lido bem com rótulos, não classifico
as obras assim, sou mais simplista: é um bom
livro ou não, bem escrito ou não, me comove
ou não. Acho que este novo século, com
a popularização da internet, vai fazer
com que apareçam muitos novos escritores, muitas
obras publicadas, e certamente muita porcaria. Permanecerão
aqueles que tiverem empatia com o leitor. Empatia que,
logicamente, não significa qualidade, é
só dar uma olhada na quantidade de livros esotéricos
que vendem como banana. Mas, seja como for, acho que
as pessoas querem toques, emoção, identificação,
informação. O livro tende a ser cada vez
menos sagrado (no sentido de elitista/distante)
e mais popular.
"Literatura
só é cara para quem não tem o que
comer. E é aí que o Brasil empaca"
EC
A tua atuação como cronista em
jornal diário te aproximou mais da comunidade.
Como é a relação com a comunidade
escolar, por exemplo? Existem convites para palestras
em escolas, participação em feiras literárias
promovidas por instituições de ensino?
Martha
Sou convidada a conversar com estudantes constantemente,
e até pouco tempo atrás dizia sim para
tudo, vivia em escolas da capital e do interior, públicas
e particulares. É muito legal pois é uma
maneira de desmitificar a figura do escritor e incentivar
a leitura e a escrita. Hoje em dia tenho que recusar
muita coisa pois a agenda não tem permitido que
eu me afaste do computador.
EC
Escrever para um jornal diário, com textos
voltados para um público específico, limita
o colunista ao pensamento mais lugar comum
ou é possível transgredir? Como o teu
texto se comporta diante das limitações
impostas pelo tipo de veículo?
Martha
Não me sinto limitada, posso escrever
tudo o que penso, da maneira que quiser. Às vezes
o lugar comum permite uma ótica diferente,
às vezes ele tem sua lógica e eu o enalteço,
sem me sentir careta por isso. Em outras vezes tenho
idéias transgressoras (ainda existe
transgressão?) e isso também vai para
o papel. Sou fiel ao que penso e não costumo
me censurar, e aceito também o fato de ser contraditória,
como todo mundo. Meu público não é
tão específico assim: são homens
e mulheres das mais diversas idades e posições
políticas e sociais. Sempre agradarei alguns
e desagradarei outros. Então escrevo pra mim,
sem me preocupar com as reações. No fundo,
escrever é a maneira que encontrei de me conhecer
melhor, de entender eu mesma o que penso. Eu apenas
divido isso com o pessoal.
EC
Tu fazes parte de uma geração que
se criou dentro de um contexto de liberalização
de costumes, movimento feminista, liberação
sexual. Até que ponto tua obra procura passar
alguma coisa dessas influências todas?
Martha
Não tenho intenção de fazer
a cabeça de ninguém, o que serve para
mim não serve para todos. Mas, às vezes,
é inevitável ser tendenciosa. Se escrevo
sobre a importância de doar os órgãos
ou de como o fumo é um hábito nocivo,
por exemplo, é claro que estou divulgando conceitos
em que acredito particularmente, ainda que isso já
tenha sido bastante discutido pela sociedade. Acontece
o mesmo quando são assuntos de comportamento,
pois passo minha visão do mundo, que é
igualmente particular. Mas a idéia não
é conquistar adesão, e sim estimular a
reflexão.
voltar
|