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ENTREVISTAS
Entrevista
cedida pelo Jornal
Extra Classe (n 54, Agosto de 2001)
Enquanto
a unha não cresce
Mário
Alberto Campos de Morais Prata nascido em Uberaba (MG),
no dia 11 de fevereiro de 1946, cronista, dramaturgo,
escritor. É autor da novela Estúpido Cúpido
e da peça de teatro Besame Mucho entre ouras;
freqüenta as listas dos mais vendidos sempre que
tem seus livros lançados. Os mais recentes, Os
Anjos de Badaró; Minhas mulheres, meus homens
e Minhas Tudo, não foram exceções.
No final de agosto estará no Rio Grande do Sul,
mais precisamente em Passo Fundo, como painelista da
9ª Jornada de Literatura, onde falará sobre
sua experiência como escritor.
Mário cresceu Lins, interior de São Paulo,
onde começou a escrever aos 10 anos de idade
na Remington do pai. Eram crônicas, as quais ele
próprio se refere como horríveis. Nesse
período de sua vida era o redator do jornalzinho
de sua classe na escola. Logo começou a escrever
a coluna social da Gazeta de Lins. Adolescente, devorava
o que lhe caia nas mãos, em especial as principais
revistas da época "O Cruzeiro" e "Manchete",
que tinham um time de cronistas invejáveis como
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti,
Rubem Braga , Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte
Preta, dos quais herdou estilo e influência.
Aos
16 anos recebeu um convite de Roberto Filipelli, que
foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com
ele o "Jornal do Lar ". Samuel Wainer, logo
recrutou Mário para escrever no jornal "Última
Hora". Desde que assumiu a careira de escritor
conheceu o sucesso com diversos livros, novelas, peças,
roteiros, etc., tendo sido agraciado com vários
prêmios nacionais e internacionais. Atualmente
mora em São Paulo e diz que gosta de escrever
de manhã e " careta ", uma herança
adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil.
Escreve,
semanalmente, na revista "ISTOÉ" e
no jornal "O Estado de São Paulo" e
prefere as entrevistas por e-mail por considerar mais
divertido.
Extra
Classe - No seu livro 100 Crônicas, em um de seus
textos você criou uma etapa da vida chamada envelhescência.
Poderia nos explicar melhor do que se trata. Você
é um envelhescente? Como percebeu isso?
Mário Prata - Eu acho que a própria
crônica se explica. Ou não? Na verdade,
a gente fica é adiando a velhice. Agora, por
exemplo, que sou um cinquentão, tudo bem. Mas
daqui a poucos anos serei um sexagenário. Esta
palavra é horrível. Tem alguma coisa com
sexo, com incapacidade sexual. Estou pensando em inventar
uma palavra nova para quando chegar lá. Alguma
coisa como sessentão, sessentinha, por aí.
Quando eu era garoto um sujeito da minha idade era um
velhinho. Já era avô. Bem, eu só
não sou avô ainda porque os filhos não
quiseram. Mas falando sério, acho mesmo que existe
uma etapa entre a maturidade e a velhice. Dei o nome
de envelhescência. E, nesta etapa da vida, a gente
fica mesmo parecendo adolescente. Até espinha
na bunda, pinta.
EC
- Teus últimos livros partem de uma insólita
viagem ao redor do próprio umbigo para falar
de coisas comuns a quase todo mundo. Como sugiram as
idéias destes livros?
Mário
- Em primeiro lugar o umbigo é comum a todos
nós. Nunca conheci alguém que não
tivesse pelo menos um umbigo. Estes últimos livros,
quase todos eles de textos curtos, são sobre
as bobagens, as banalidades que estão diante
da gente e a gente nem percebe. Quando eu escrevo algo
assim, todo mundo diz: mas é claro. Acho que
todo escritor, enquanto artista, tem a capacidade de
enxergar primeiro. Enxergar o óbvio. E quando
eu mostro um negócio que está na cara
dele, ele acho que eu sou um gênio. Mas o gênio
é ele, o leitor. Só ofereço o espelho.
EC
- Teu trabalho tem boa aceitação no mirrado
mercado editorial brasileiro. Você atribui essa
aceitação às sacadas espertas e
o domínio do texto ágil, ou à identificação
das pessoas com um escritor que não tem vergonha
de expor a si e a intimidade do próprio leitor
por tabela?
Mário
- Acho que a sua pergunta é a minha resposta.
Sacar, agilizar, identificar e ter intimidade. No caso
o mais difícil é o texto que você
chama de ágil. Não é um trabalho
fácil. Levei quarenta anos para chegar a ele.
É cheio de técnicas. E o leitor fica com
a impressão que eu estou falando com ele, no
ouvido dele. Mas isso dá um trabalho desgraçado.
Um trabalho muito gostoso, tenho que acrescentar.
EC
- Os Anjos de Badaró, escrito aos olhos do público
via internet, te proporcionou um contato direto com
os leitores. Poderia explicar para nossos leitores o
que foi esta experiência. No que resultou. Houve
interferência do público no teu processo
criativo?
Mário
- O que aconteceu de mais interessante na escrita do
Badaró foi os leitores (média de 2.500
por dia) perceberem que o escritor é um ser normal,
igual a eles. Acho que quebrei - para eles - aquele
mito da inspiração, das musas, de raios
saindo pela cabeça. Eles ficavam impressionados
porque todo dia eu me sentava aqui e trabalhava. É
incrível, porque ninguém pergunta para
um médico se ele trabalha todo dia. Acham normal.
Não existe inspiração. Existe idéia.
Às vezes uma idéia dá uma crônica.
Ou um livro, uma peça de teatro. É a melhor
parte do trabalho: quando se tem a idéia. E ela
nunca aparece quando eu estou no micro. Aparece sem
avisar, me cutucando, dizendo: olha eu aqui. Dependendo
da idéia até agradeço a ela, pois
sei quantos reais ela vai me dar, quantos leitores ela
vai cativar. Escritor também gosta de viver bem...
Quanto à interferência, houve sim. O livro
era para ser muito mais policial do que romântico.
Mas as meninas que acompanhavam foram forçando
a barra e o livro acabou virando uma história
de amor.
EC
- Você pretende repetir este tipo de experiência
até certo ponto interativa com os leitores?
Mário
- Não. Dá um trabalho desgraçado.
EC
- Como as novas tecnologias podem mudar a nossa cultura
de texto?
Mário
- Nunca, em tempo algum, os jovens brasileiros escreveram
e leram tanto como hoje, pela internet. Quando uma mãe
diz que o filho fica o dia inteiro no computador, ele
está lendo ou escrevendo, depois de ver umas
mulheres peladas por dez minutos. Ou seja, os jovens
estão exercitando a nossa língua. Outro
dia, num sábado, tinham 200 mil jovens em chats.
Você pode ter certeza que um por cento disto (2.000),
se quiserem, serão escritores. E estão
lendo e escrevendo sem ser uma ordem dos pais ou uma
obrigação da escola. Estão descobrindo
o texto, a leitura e a escrita. Vários escritores
sairão da internet. E não o contrário,
nós entrarmos lá.
"Daqui
a poucos anos serei um sexagenário. Esta palavra
é horrível. Tem alguma coisa com sexo,
com incapacidade sexual..."
EC
- Em que segmento da literatura brasileira você
enquadraria o teu trabalho em livro? Você considera
o texto bem humorado uma boa porta de entrada para novos
leitores?
Mário
- Não sei em que segmento. Humor, talvez. É
uma boa maneira de se chegar ao leitor. Principalmente
os novos leitores, que possam ter a falsa idéia
que ler é chato.
EC
- O que te motiva a escrever? O compromisso com a editora
ou a consciência de que está diante de
uma boa idéia.
Mário
- Bem, é a minha profissão. Larguei tudo
há trinta anos, achando que poderia viver disto.
E tem dado para quebrar o galho. Escrever para mim é
um prazer muito grande. Jamais pensei, como outros profissionais,
em aposentadoria. Acho que quanto mais maduros ficamos,
nos tornamos mais próximos dos leitores. E quando
vem a famosa boa idéia, paro tudo, fico tendo
quase que um orgasmo com ela. Até ficar bem íntimo
dela, saber tudo dela. Dominar a danada.
EC
- Você já esteve alguma vez na Jornada
de Literatura de Passo Fundo? Que tipo de importância
você atribui a esse tipo de evento, ou melhor,
a este evento em si?
Mário
- Nunca estive em Passo Fundo, mas é como se
já estivesse. Tenho muitos amigos que já
foram várias vezes. Este foi o terceiro convite.
Não pude ir nos outros. Tenho certeza que é
o maior (e melhor) encontro de escritores do Brasil.
Estou curioso.
EC
- Sobre o que você vai falar? Dá para antecipar
alguma coisa do que as pessoas vão ouvir em Passo
Fundo?
Mário
- Vou falar justamente sobre o ofício do escritor.
Derrubar a idéia antiga que se tem dos escritores.
Quero dizer que somos absolutamente normais, apesar
que não ser qualificados no imposto de renda.
Lá, somos assemelhados. Pode? Talvez eu fale
também de um projeto de uma faculdade de escritor.
Uma idéia que venho alimentando com carinho.
E antes que alguém diga que é muita pretensão
minha querer ensinar os outros, já vou avisando
que quero fazer esta faculdade para estudar nela.
EC
- Quem foram os autores que mais te influenciaram? De
que forma isso ocorreu?
Mário
- Passei toda a minha infância e adolescência
numa pequena cidade do interior paulista, Lins. Não
tinha livros lá. Em compensação
chegavam as revistas Cruzeiro, Manchete e o jornal Ultima
Hora. E, para sorte minha, os maiores cronistas brasileiros
chegavm com estas revistas. Paulo Mendes Campos, Rubem
Braga, Fernando Sabino, Henrique Pongetti, Nelson Rodrigues,
Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta. Foram
eles que me fizeram cronistas. Além do Campos
de Carvalho é claro. Que, por sinal, era meu
primo.
EC
- Tanto em novelas como Estúpido Cúpido
como em tua literatura, sempre ficamos com a sensação
de uma carga autobiográfica forte. Essa impressão
é verdadeira? Se é, você faz isso
de forma consciente desde o início? Como funciona
teu processo de filtragem destas verdades tuas em um
trabalho de ficção?
Mário
- Tem muito de autobiográfico, sim. Mas acho
que não é uma autobiografia minha, pessoal,
e sim de toda a minha geração. O pessoal
que nasceu nos anos 40 e entrou na década de
sessenta (a que mudou tudo) com 14 e saiu com 24. Tudo
que aconteceu de importante no século XX, foi
nesta década. Em termos artísticos, científicos
e políticos. Religiosos, também. Isto
marcou muito a minha geração.
EC
- Tuas entrevistas e teus textos passam uma idéia
de pessoa descontraída e de bem com vida. De
alguém que vê as coisas sem muita complicação.
É assim mesmo, ou essa é a imagem que
você gosta de mostrar? Por outro lado, também
deixa transparecer uma certa "áura"
de operário do texto, de seriedade no trabalho.
De alguém disciplinado e que gosta muito do que
faz. É isso mesmo, ou é tudo bobagem e
especulação de entrevistador babaca?
Mário
- Concordo com tudo isso. Sou um cara simples e sério,
quando se trata de trabalho. Tua pergunta é um
resumo de mim mesmo. Nada de babaquice, cara.
EC
- Quais são teus projetos em andamento? Dá
para falar?
Mário
- Estou participando de um projeto da Editora Objetiva,
chamado Cinco Dedos de Prosa. Com mais Verissimo, Cony,
Fernanda Young e Manoel Carlos. Cada um escreve sobre
um dedo. O meu é o mindinho. Estou sabendo tudo
sobre o mindinho. Você sabe, por exemplo, porque
tem uns caras que deixam a unha da mindinho crescer?
Eu sei... E posso te garantir que não é
para limpar nem o nariz nem a orelha. Me aguarde.
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