20
ANOS
Homenageados
Sérgio
Capparelli
Cyberpoemas
e uma fábula virtual
No
livro lançado em 1996, Sérgio Capparelli,
apresenta 33 ciberpoemas, elaborados a partir da linguagem
dos "internautas" e que abordam temáticas
das relações humanas em tempos digitais.
As ilustrações são de Marilda Castanha.
Confira
alguns poemas:
A
tribo que mandava fax
Na
aldeia dos curuipaques
um índio, de laptop,
pra lua envia um fax.
bibop
laptop
dos curuipaques
A
lua dos curuipaques
Faz um leque de laptop
E um pajé canta num sax.
bibop
laptop
dos curuipaques
escroques
pegam terras
com reservas de laptops
bibop no curuifax
***
Na
aldeia dos curuipaques
um índio, de laptop,
da lua recebe um fax.
Analista
de sistemas
"Doutor,
congelei meu sistema:
acordo de noite com falta de ar,
vago sem rumo, de arquivo em arquivo,
o senhor sabe, é a velha história,
sem traumas na memória."
"Análise
virtual?"
"Terapia
individual."
"Vaga
no grupo Internet"
"Em
rede, via satélite?"
"Se
for em terceira dimensão"
"Comecemos
pois a sessão"
"Um
clique no id, outro no ego
um clique também no super-lego."
"Não
sei se estou morto, doutor,
nem sei se estou vivo.
Busco no meu diretório
onde salvei meu arquivo."
Metamorfose
E
como poderei estar, meu Deus,
Nos lugares onde nunca estarei?
Me
perdoe
Perdoe,
amor,
meu coração não entra em rede.
Triste, sem viço, sem mapa astral, ele geme.
Meu amor entrega os pontos,
Cai no fosso, preso no brete,
e você, minha querida,
mando-lhe rosas pela Internet?
Não diga que estou fora do esquema
que sou antigo, intruso num ciberpoema,
fora da tela do monitor
você sabe, amor platônico
me deixa sem jeito, com coágulo,
prefiro um ciberatômico
que explode apaixonado.
Vovó
Zizinha
Quando
a casa silencia
Vovó Zizinha, na ponta dos pés
vai ao escritório de tio Antônio.
De minha cama vejo uma luz azulada,
filtrando-se por debaixo da porta,
Por que vovó Zizinha não dorme?
Os
cachorros deixam de uivar.
Não piam corujas em vôos rasteiros
mas a brisa, sim, a brisa ora frita tortilhas
Ora penteia os cabelos do pessegueiro.
Se
alguém seguir a luz, bem sei,
vai logo descobrir vovó
(tarde na noite,
cedo na vida)
com os pássaros dos dedos pousando nas teclas,
a tricotar um xale luminoso
de 200 MB de memória RAM.
Seus
dedos finos pousam no teclado:
·
Com Marília Levacov (mlevacov@penta.ufrgs.br),
de Porto
Alegre, fala sobre o aniversário de Paulinho,
que fez anos e
passou para a Quinta Série, você acredita?
·
Com o senhor Humberto da Costa Toledo (Humberto@netvia.Usyt.br)
explica seu medo de engarrafamentos e pergunta se o
Viaduto
do Chá continua monumentoso.
·
Com Dom Diego de Alcazar y Toledo (Alcazar@Zarate.UHA.ag),
de Buenos Aires, lembra que quando morrer, gostaria
que uma
orquestra típica tocasse El Dia En Que Me Quieras,
acompanhando o cortejo,
até o cemitério;
·
Com Dona Suzuki Ueki (Suz5uki@Vakamoto.Osaka.Já)
dis-
cute se valeu a pena vender a Fruteira Sol Nascente
e seguir
com o filho para tão longe.
Às vezes tio Antônio aparece na sala arrastando
as pantufas de
seu desgosto. "Mãe, é muito tarde,
a senhora parece uma crian-
ça". Ela, nem te ligo. O tio faz um muxoxo,
coça a cabeça e vai
dormir.
Vovó Zizinha, não. Só mais tarde,
bem mais tarde, adormece de
cansaço, depois de tricotar a última lua
e de enlaçar num ponto-
de-cruz a mais nova estrela.
Depois
que vovô morreu ...
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